A secretária fechou a porta atrás de
si, acercou-se e disse:
— Mr. Goldberg vai recebê-lo agora.
Pode entrar.
— Obrigado.
Pouco depois estava num imenso gabinete
forrado a madeiras escuras, com cartazes de velhos filmes alinhados
pelas paredes, e atravessei a grossa carpete no meio de um absoluto
silêncio. Havia um leve cheiro a óleo de cedro e a tabaco de
cachimbo e, ao fundo, uma vidraça que ocupava toda a parede. Frente
a ela uma escrivaninha e um vulto sentado, que a contraluz me impedia
de ver claramente.
— Bom dia, Mr. Flynn! Sente-se, por
favor.
— Bom dia, Mr. Goldberg — pousei a
pasta numa mesinha de apoio e afundei-me no grande cadeirão de couro
negro.
— Em que posso ser-lhe útil?
— Estudou a minha proposta de
argumento?
Ele mudou de posição na cadeira com
um rangido imperceptível, fez uma pausa e disse:
— Trata-se de um western, não
é? Não estou bem recordado... Importa-se de me fazer uma sinopse?
— A ideia é a seguinte: temos esta
história passada após a Guerra de 1812. Um tenente do exército é
desmobilizado e, quando volta à sua herdade, nas margens do
Missouri, descobre que a sua casa foi incendiada e a família
degolada, durante uma revolta de escravos. Cego pela ideia de
vingança, ele vai transformar-se num caçador de prémios,
perseguindo escravos foragidos. Só que acaba por nunca entregar
nenhum, pois no último momento, dominado pela dor e pela recordação,
acaba sempre por lhes enfiar um tiro na cabeça.
Goldberg tinha retirado os óculos e
limpava meticulosamente as lentes grossas com um paninho claro.
Depois voltou a pousá-los sobre o nariz adunco, olhou-me fixamente
durante uns segundos, e disse:
— Sim... já me recordo. Não podemos
fazer esse filme, Flynn. Hoje em dia, nem pensar. Na noite de estreia
tínhamos todos esses activistas profissionais a pegar fogo aos
cinemas, a acusar-nos de racismo... e outras coisas piores. A
publicidade gratuita não compensaria os prejuízos.
Afundei ainda mais no cadeirão negro e
receei que ele me fosse engolir. Nunca me ocorrera que um filme de
pistoleiros, de pura diversão, pudesse ofender susceptibilidades. No
entanto a história parecia-me boa e, num golpe de asa, tentei salvar
o trabalho, enquanto lutava para emergir do cadeirão.
— E se fosse ao contrário?
Goldberg devia estar já a pensar
noutros assuntos, porque desceu à terra atabalhoadamente.
— Como diz? Não estou a entender...
— Ao contrário — disse eu com
impaciência. — O pistoleiro é preto e vai matar foragidos
brancos... presidiários, assaltantes, eu sei lá!... Já não nos
acusam de racismo, pois não?
— Lá isso não, Mr. Flynn... Mas
esse filme já foi feito, não há muito tempo: chama-se “Django
Libertado”.
O cadeirão parecia ganhar-me vantagem
novamente, mas Goldberg não me deixou saborear a derrota por muito
tempo. Consultou o relógio de pulso, em ouro, e disse pausadamente:
— Desculpe Mr. Flynn, mas tenho uma
reunião marcada para daqui a dez minutos. Ouça: porque é que não
esquece esse argumento antiquado, e não escreve uma coisa mais
moderna e vibrante? Olhe à sua volta, há muito por onde se
inspirar... Marque uma entrevista com a minha secretária, e voltamos
a encontrar-nos daqui a uns meses. Gostei muito de o ver, passe bem.
— Igualmente, Mr. Goldberg. Até à
vista.
Escapei à goela do cadeirão, peguei
na pasta e fiz o caminho de regresso. Não marquei qualquer
entrevista e, quando cheguei à rua, a brisa transportava o aroma
doce do jasmim. Mas devia estar a delirar, pois naquela terra nunca
floriram esses arbustos.